Segunda-feira 1 de maio de 2018 | Presidente Prudente/SP

Retórica vaga

Rubens Shirassu Jr.*

Em 22/01/2011 às 11:54

Os dois caminhos oferecidos ao Homem, que se equilibra há milênios, são uma figura de retórica convenientemente vaga. Temos vagas visões como o inferno da escatologia cristã: tem-se o temor, mas não se tem os detalhes. Passa-se a eternidade numa grelha ou há períodos de folga? São sempre os mesmos diabinhos a nos espetar ou há um rodízio? Só sabemos que não queremos chegar lá para descobrir.

A ciência, pelo menos até Einstein, nunca pretendeu desafiar a metafísica dominante, mesmo quando desmentia seus dogmas. Em seu tratado revolucionário sobre o Universo heliocêntrico, Copérnico destruiu mil anos de ensinamento da Igreja. Mesmo assim, continuamos a ver nossas novelas e a pagar nossos carnês, e concluímos que o inferno é mais uma ficção repreensiva do que um fato. O caos completo ou o apocalipse nunca chegará ou, pelo menos, nunca será completo. Porque, quando pensamos no inferno imaginamos as imagens monstruosas e surrealistas e, por isso, tememos o que desconhecemos, pelo conceito imposto de fatalidade.

Melhor pensar que o juízo final será, brasileiramente, adiado para sempre – ou nunca passará da retórica à realidade. O diabo é que tem gente que leva a metáfora a sério e parece estar sempre aproveitando do desespero nacional, para saber até onde é possível ir aos limites da manipulação e do amedrontamento. E, é claro que os que desafiam as normas maniqueístas não sofrerão os efeitos de seu fundamentalismo: no caso de a gente cair no abismo de fogo, não espere ver outros caindo junto. Estamos fritos? Se não é verdade é um bom achado, além de negócio rentável, livre também de estelionato porque você não assina nenhum documento, como comprovante, parafraseando Galileu. Uma coisa torna essa política unânime, desde a idade média: na língua dos números (ou do dinheiro) não existe retórica, nem jargão e nem duplo sentido – existe, sim, a língua dos artifícios, como o bem colocado termo “a salvação eterna”. Você pode contestar os argumentos, ser convincente com mais números, mas não tente questionar sobre a verdade, o seu caráter e suas motivações.

*Rubens Shirassu Jr. é designer gráfico e escritor

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