Segunda-feira 1 de maio de 2018 | Presidente Prudente/SP

No calor da fogueira

Rubens Shirassu Jr.(*)

Em 22/06/2011 às 13:45

Quem viveu sua infância e adolescência em cidades pequenas, ou em subúrbios afastados do centro da cidade, deve guardar doces lembranças das festas juninas. Por volta de 1971, na época com 11 anos, a gente confundia as fagulhas dos fogos de artifício com o brilho das estrelas que pontilhavam na lona azul do céu. A alegria e a emoção explodiam feito os rojões e cabeças-de-negro que saudavam as festas das noites de Santo Antônio, São João e São Pedro!

Lembro de uma típica festa julina realizada no sítio do seu Mané, numa noite fria e úmida de julho, onde sentíamos o calor da confraternização entre as pessoas reunidas em volta da imensa fogueira, regada a quentão, pipoca, paçoca, milho cozido e batata-doce. Alguém gritava: - Cadê o sanfoneiro pra começar a festa! E o velho sanfoneiro do Parque São Judas dedilhava as canções de Lamartine Babo e os forrós animados de Luiz Gonzaga, Zé Dantas e Humberto Teixeira, Abdias e sua Sanfona de Oito Baixos.

Uma hora e outra incluía no repertório as músicas de Mário Zan. É claro, não poderia esquecer das famosas duplas caipiras como Tonico e Tinoco, da festa na roça, Alvarenga e Ranchinho, Vieira e Vierinha, Zé Tapera e Teodoro, Lio e Léo, Teixeirinha, Cascatinha e Inhana, Sérgio Reis e as modas de viola de Tião Carreiro e Pardinho. Pairava um clima de algazarra de sons e da anarquia das luzes, sempre era possível distinguir o brilho dos olhos e a emoção nas vozes daqueles que recitavam os versos para o ritual de “passar a fogueira”: “Santo Antônio disse,/ São João confirmou,/ que... (registrava o compromisso afetivo),/ pois Jesus Cristo mandou.”

Meus olhos de criança corriam mais que os busca-pés que percorriam o espaço de feltro negro, curiosos para fotografar cada detalhe daquela longa noite memorável, iluminando as barracas montadas de bambu, as bandeirolas de cores vivas, em forma de roda, a quadrilha circulando em volta do povo. Ela era organizada pela comunidade de jovens católicos da pequena e modesta igreja, de um amarelo carregado de branco, bem claro, parecia uma aguada.

O aluá, o arroz-doce, o munguzá, a pamonha e a batata-doce, assada na própria fogueira, brindavam os mais exigentes paladares entre uma dança e outra. Uma culinária com o típico sabor brasileiro. As vovós acompanhadas das senhoras casadas do bairro e arredores, serviam os participantes e, quando percebiam que estava acabando alguma comida ou doce, corriam para o fogão de lenha para não faltar nada na grande mesa de madeira maciça, forte e rústica. Já os moços, os homens casados e maduros, ficavam de um lado zelando pela harmonia da festa e ajudando no corte de lenha, reforçando as cordas que seguravam as estruturas das barracas.

Contam os migrantes nordestinos que paravam na estação de ferro em Rio Claro e, de lá, seguiam de trem para Mirante do Paranapanema, no final dos anos 20. No norte existia, entre outras, uma tradição que caracterizava as comemorações em homenagem aos santos Antônio, João, Pedro e Marçal. Essa tradição era chamada de “passar a  fogueira.” Ela tinha como objetivo selar um compromisso afetivo entre duas pessoas. Assim, quando o casal acordava um determinado “relacionamento de fogueira”, os dois, seguindo um ritual preestabelecido, “passavam fogueira” de compadres, de primos, de maninhos, de eternos namorados, etc. Era muito comum, entre os mais jovens, principalmente, a apresentação de uma outra pessoa com a seguinte expressão: “- Este é fulano, meu maninho ( ou primo, ou compadre, etc...) de fogueira”.

As festas juninas e julinas tinham uma alegria solta, ingênua e despretensiosa, sem muita malícia e maldade como os balões, que giravam em volta de nossas cabeças sob o forte efeito do álcool, com o gosto característico e acentuado, proporcionado pelo gengibre e canela em pau. Consegui ver apenas dois balões no meio da noite desenhando triângulos no papel timbrado e azul escuro do céu. Havia um aroma e um sabor típicos brasileiros! A imaginação era excitada pelo brilho e pelo estouro dos fogos, o cheiro da pólvora, o calor da fogueira e pelo som da sanfona marcado pelo bumbo gravado na fotografia aérea do passado.

(*) Rubens Shirassu Jr. é designer gráfico e escritor

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