Rubens Shirassu Jr.(*)
Em 22/06/2011 às 13:45
Quem
viveu sua infância e adolescência em cidades pequenas, ou em subúrbios
afastados do centro da cidade, deve guardar doces lembranças das festas
juninas. Por volta de 1971, na época com 11 anos, a gente confundia as fagulhas
dos fogos de artifício com o brilho das estrelas que pontilhavam na lona azul
do céu. A alegria e a emoção explodiam feito os rojões e cabeças-de-negro que
saudavam as festas das noites de Santo Antônio, São João e São Pedro!
Lembro
de uma típica festa julina realizada no sítio do seu Mané, numa noite fria e úmida
de julho, onde sentíamos o calor da confraternização entre as pessoas reunidas em
volta da imensa fogueira, regada a quentão, pipoca, paçoca, milho cozido e batata-doce.
Alguém gritava: - Cadê o sanfoneiro pra começar a festa! E o velho sanfoneiro
do Parque São Judas dedilhava as canções de Lamartine Babo e os forrós animados
de Luiz Gonzaga, Zé Dantas e Humberto Teixeira, Abdias e sua Sanfona de Oito
Baixos.
Uma
hora e outra incluía no repertório as músicas de Mário Zan. É claro, não
poderia esquecer das famosas duplas caipiras como Tonico e Tinoco, da festa na roça, Alvarenga e Ranchinho, Vieira
e Vierinha, Zé Tapera e Teodoro, Lio e Léo, Teixeirinha, Cascatinha e Inhana, Sérgio Reis e as modas de viola de Tião Carreiro e Pardinho. Pairava um clima de algazarra de sons e da anarquia das
luzes, sempre era possível distinguir o brilho dos olhos e a emoção nas vozes
daqueles que recitavam os versos para o ritual de “passar a fogueira”: “Santo Antônio disse,/ São João confirmou,/
que... (registrava o compromisso afetivo),/ pois Jesus Cristo mandou.”
Meus
olhos de criança corriam mais que os busca-pés que percorriam o espaço de
feltro negro, curiosos para fotografar cada detalhe daquela longa noite
memorável, iluminando as barracas montadas de bambu, as bandeirolas de cores
vivas, em forma de roda, a quadrilha circulando em volta do povo. Ela era organizada
pela comunidade de jovens católicos da pequena e modesta igreja, de um amarelo carregado
de branco, bem claro, parecia uma aguada.
O
aluá, o arroz-doce, o munguzá, a pamonha e a batata-doce, assada na própria
fogueira, brindavam os mais exigentes paladares entre uma dança e outra. Uma
culinária com o típico sabor brasileiro. As vovós acompanhadas das senhoras
casadas do bairro e arredores, serviam os participantes e, quando percebiam que
estava acabando alguma comida ou doce, corriam para o fogão de lenha para não
faltar nada na grande mesa de madeira maciça, forte e rústica. Já os moços, os
homens casados e maduros, ficavam de um lado zelando pela harmonia da festa e
ajudando no corte de lenha, reforçando as cordas que seguravam as estruturas
das barracas.
Contam
os migrantes nordestinos que paravam na estação de ferro em Rio Claro e, de lá,
seguiam de trem para Mirante do Paranapanema, no final dos anos 20. No norte
existia, entre outras, uma tradição que caracterizava as comemorações em homenagem
aos santos Antônio, João, Pedro e Marçal. Essa
tradição era chamada de “passar a fogueira.” Ela tinha como objetivo selar
um compromisso afetivo entre duas pessoas. Assim, quando o casal acordava um
determinado “relacionamento de fogueira”, os dois, seguindo um ritual
preestabelecido, “passavam fogueira” de compadres, de primos, de maninhos, de
eternos namorados, etc. Era muito comum, entre os mais jovens, principalmente,
a apresentação de uma outra pessoa com a seguinte expressão: “- Este é fulano, meu maninho ( ou primo, ou compadre, etc...) de fogueira”.
As festas juninas e julinas tinham uma alegria
solta, ingênua e despretensiosa, sem muita malícia e maldade como os balões,
que giravam em volta de nossas cabeças sob o forte efeito do álcool, com o
gosto característico e acentuado, proporcionado pelo gengibre e canela em pau. Consegui
ver apenas dois balões no meio da noite desenhando triângulos no papel timbrado
e azul escuro do céu. Havia um aroma e um sabor típicos brasileiros! A
imaginação era excitada pelo brilho e pelo estouro dos fogos, o cheiro da
pólvora, o calor da fogueira e pelo som da sanfona marcado pelo bumbo gravado
na fotografia aérea do passado.
(*) Rubens Shirassu Jr. é designer gráfico e escritor