Os olhos daquele homem estão pesados de cimento ferro e chumbo.
Ele quer jogá-los no azul do céu, pode ser no azulejo de cada bar. Sente a
sensação: ao se comparar a uma engrenagem que corre sem direção na pista de
duas mãos. Fica atento a placa “pare”, mas a vida flui na pista, mesmo que
alguns carros quebrem no percurso. Precisa encontrar algo que dê um alívio
àquela angustiante inquietação, pois seus olhos parecem ateus diante da
paisagem projetada em blocos e toda sinalizada com demarcações, sinaleiros,
faixas e obstáculos. O traço das retas encontram-se e formam blocos, quadrados
que se associam a prisão sufocante de pensamentos que percorrem em círculos o
labirinto.
Seguindo a sua caminhada, sem rumo e destino, chega na praça,
olha de relance as pessoas uns jogando “caxeta” e outros “truco” nas mesas
entrecortadas por risos, gritos, passam vultos estáticos, de olhos vidrados,
espantam-se com as surpresas e ilusões das cartas de baralho, apenas para que
as horas voem. No decorrer da caminhada, seus pés sentem o peso que vaga na
atmosfera urbana, o bafo quente espalha a fuligem nos telhados, diminui os
passos, o súor escorre e pinga nos sapatos marrom claro, ofegante de cansaço.
Existe o desarranjo no crescimento desordenado pelo interesse do poder do conquistador
e da usura. Entre o equilíbrio das cores e o crescimento agressivo e impulsivo
da cidade, que sempre quer ser moderna, arrojada e fria.
A cada passo curto que dá, a rua vai se afunilando, vai
surgindo uma imagem bucólica e mágica dos contos infantis que lia na infância:
acaba de conhecer o Relógio de Flores, em Curitiba. Aquela forma circular
geométrica por conter flores naturais, sua composição quebra a imagem dura e
fria do projeto da cidade. A peça tem vida natural, ocorre contraste, entra em harmonia
com a composição cubista. Verifica-se uma mudança de linguagem e estilo
arquitetônica. Ela humaniza o espaço por contrastar entre vida natural (as
flores) e a urbana planejada do arquiteto e engenheiro, além da utilidade
pública do objeto para a população da cidade e turistas, seja de outros Estados
do Brasil ou de outros países. Suas cores vivas tornam-se um energético
revitalizante para os olhos do espírito, que descansa e acalma os pedestres de
suas preocupações com os afazeres do cotidiano. Os olhos vazam pelo arranjo de
flores, minam almas flamas multicores na vertigem do dia.
Entre o equilíbrio das cores e o crescimento agressivo e
impulsivo da cidade, pois quer sempre ser moderna e arrojada e concreta. Tanto
o Relógio de Flores como o tempo são peças criadas, expressões da imaginação do
Homem. Um momento de rara beleza, plenitude e revelação do sentido do tempo.
Lembra uma certa poesia enraizada com toques de pintura
surrealista e romântica, algo de química de cores de Salvador Dali homenageando
Gala, sua mulher e musa inspiradora. Anuncia o recado de Primavera: os homens
estão com fome de rosas, a necessidade do espírito e não da matéria efêmera da
carne. Esta flor em disco simboliza a composição de todos os elementos da
natureza, apesar de seu espinho que machuca e dói, mas representa o outro lado
da vida: os contratempos e fatalidades. No meio das folhas verdes, uma seta
aponta um fio de esperança, que abre um sorriso alegre.
Dé um clique abaixo e veja o clipe da música O Relógio, de
Vinícius de Moraes, na voz de Walter Franco para o musical A Arca de Noé.
(*) Rubens Shirassu Jr. é designer gráfico e escritor
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