Segunda-feira 1 de maio de 2018 | Presidente Prudente/SP

'A neurose do tempo' aborda a necessidade de dominação do homem

Eliseu Visconti*

Em 03/12/2010 às 09:28

Nossos ancestrais “tinham tempo” para tudo, simplesmente porque não o sabiam medir. O nascer da Lua e o pôr do Sol eram os seus marcos vitais, e entre aqueles dois momentos, todo o tempo lhes pertencia.

Sem neurose. Sem angústia. Ninguém se atrasava.

Mas o ser humano, este poço de veleidade, quer mais do que a sua vida terrena. Sabendo-se mortal, cria uma abstração chamada alma, esta sim, eterna.  Para dominar o tempo que resta à sua inútil carcaça, inventa uma entidade chamada tempo.

E foi assim que, há cerca de 5.000 anos, fixou um obelisco ao solo, cuja sombra projetada movia-se com o passar das horas; entre o seu ponto inicial e seu ponto final, havia um espaço que o homem fracionou, criando a divisão do tempo. A este artefato deu-se o nome de gnômon.

O relógio de sol foi uma evolução do gnômon e o seu funcionamento não marcava horas, mas tão somente dividia o dia.

Os egípcios, mais afoitos ou talvez ansiosos, logo criaram a clepsidra – relógio da água – e a ampulheta - relógio de areia, que ainda não marcavam horas, mas momentos específicos, mas já então serviam para causar ansiedade e a noção de urgência no homem.

O mostrador do relógio primitivo tinha seis divisões e um único ponteiro, que marcava as horas, percorrendo-as quatro vezes num dia. Isto acontecia em 1344, graças a um italiano chamado Dondi.

Foi só por volta do ano de 1600 que Galileu Galilei observou e equacionou o movimento pendular. Nascia o ponteiro dos minutos e o homem tornava-se mais angustiado. Galileu morreu cego e condenado pela Igreja, e reabilitado mais de 300 anos depois, em 1983, pela mesma instituição. Nada como um dia depois do outro...

O pêndulo reduziu a então incrível precisão de 15 minutos, para 10 segundos por dia, para glória dos apressadinhos.

Do pêndulo ao balancim, isto já por volta dos 1780, chegava-se ao relógio de bolso, e o bicho-homem tornava-se ainda mais intolerante.

Em 1928, dois americanos criavam o relógio de quartzo, cuja precisão chegava a um segundo a cada década!

Temos hoje os relógios atômicos, que só erram um segundo a cada seis milhões de anos. Coisa dos chineses, que estão com pressa de superar seus rivais.

Parece que o homem conseguiu, enfim, medir o tempo com uma precisão – cá entre nós – absolutamente desnecessária.

Tornamo-nos neuróticos ao tentar dominar o tempo que, afinal, nos domina. Tornamo-nos escravos do tempo e vivemos de olho no relógio.

Caso indagássemos, há alguns anos, do ascensorista do elevador, que horas eram, ele responderia, sem consultar qualquer relógio: devem ser umas 7 e meia. Hoje, a mesma pergunta seria respondida: são 7 e 27, após consulta ao seu cronômetro digital. O que ganhamos com tanta precisão?

Sejamos calmos e benevolentes com o passar de cada centésimo de milésimo de segundo, tendo consciência, como Pessoa disse a Lídia:

Não queiras, Lídia, edificar no espaço

que figuras de futuro, ou prometer-te

amanhã. Cumpre-te hoje, não esperando.

Tu mesma és tua vida.

Não te destines, que não és futura.

Quem sabe se, entre a taça que esvazias,

e ela de novo enchida, não te a sorte

interpõe o abismo?

*Eliseu visconti é jornalista, escritor e assessor de imprensa da Câmara de Presidente Prudente

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