Rubens Shirassu Jr.*
Em 12/11/2010 às 15:14
A série "As Cariocas" baseia-se na novela de Sérgio Porto, cronista, humorista e roteirista, que utiliza um argumento perspicaz do escritor: a ideia de que em cada bairro do Rio de Janeiro existe um tipo de mulher com características específicas. Quando lançou o livro, em 1967, Porto descrevia as garotas de Copacabana como grã-finas e sofisticadas e as do Grajaú, na zona norte, como desinibidas.
O escritor e jornalista carioca Sérgio Porto (1923-1968) foi um dos maiores "mulherólogos" do País, como se definia, um criador de tipos amoldados ao jeito carioca de viver. Seu heterônimo, Stanislaw Ponte Preta, é um mito para a geração dos anos 60 e 70, com humor inteligente, frases e tipos inesquecíveis, a exemplo do Doutor Data Venia, acadêmico que usava uma linguagem rebuscada e pedante que, por fim, não sabia se expressar.
Suas “sacadas geniais” tornaram-se antológicas e mostram-se atuais, tanto que o estilo criado pelo humorista, na opinião de alguns estudiosos, serviu de referência para a criação editorial e gráfica do semanário “Pasquim”, editado por Ziraldo, Jaguar, tendo como articulistas e colaboradores entre outros: Sérgio Cabral, Millôr Fernandes, Tarso de Castro, Ivan Lessa, Sérgio Augusto, Paulo Francis, Rui Castro, Fausto Wolff, Nani, Henfil, Newton Carlos, Luís Carlos Maciel, Alberto Dines, reconhecido pelo seu papel de oposição ao regime militar. Por lançar novos conceitos de humor crítico e inteligente, o “Pasquim” renovou também a linguagem e os conceitos de design gráfico.
Uma dose de Nelson Rodrigues
Os problemas aparecem quando ao ler o livro acontece um choque por haver ocorrido uma mudança nos costumes e valores na sociedade brasileira. São passados exatos 43 anos, refletindo uma margem de diferença. As histórias eram muito banais, quase ingênuas, na época, todo mundo achava maravilhoso, aquelas paisagens pitorescas e bucólicas, o Cristo Redentor de braços abertos, embaladas pelo mar quando quebra na praia.
O roteirista e adaptador optou por adicionar um pouco de Nelson Rodrigues no roteiro. O erotismo está muito presente nas cenas sensuais e picantes, o que garante a ambos os autores o título de realistas. De fato, a prosa de Nelson e Porto era realista e, tal como os realistas do século 19, eles criticavam a sociedade e suas instituições, sobretudo o casamento, a família, a hipocrisia e as tarefas-padrão. A série tornou-se uma criação livre. Dos dez programas, só quatro são histórias do livro e poucos diálogos foram mantidos.
Também, perdeu-se um pouco do argumento inicial pela dificuldade de encontrar nos dias de hoje tipos particulares entre as cariocas. Cada episódio tem histórias independentes e alguns bairros foram escolhidos mais pela projeção nacional, como Urca, Barra da Tijuca e Ipanema. Houve um estudo de marketing e índice de audiência do público.
Para dar mais apelo, um narrador faz comentários engraçados, no estilo de Stanislaw. Na prática, o roteiro pinça o que "As Cariocas" têm de melhor, que são a ideia e o título, e reforça o molho com a genialidade da obra de Sérgio e Stanislaw: o humor escrachado é o mesmo, cheio do tempero e gingado sincopado e malandro do jeito de viver do brasileiro.
*Rubens Shirassu Jr. é designer gráfico e escritor
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