*Rubens Shirassu Júnior
Em 29/07/2015 às 10:20
Lá fora, noite fria de domingo, e então me sinto um daqueles marinheiros ancorados no porto da casa, a sensação de frieza na alma quando a tarde está congelando, e então eu sinto uma falta do aconchego, uma fissura de namorado adolescente que conquista a primeira garota e penso em ti, bem devagar, como um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.
Tenho vontade de escrever bobagens para todo mundo me achar bobo, um tanto medíocre e, talvez, preencher este espaço num dia sem assunto e, entretanto hoje me sinto apenas um menino teimoso num dia cinza e encharcado.
Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo definitivamente com esses cabelos brancos, parece que minha imagem vai esvanecendo-se, vou ficando menos nítido, desfocando-se como os efeitos de filtro de um programa digital de imagem, como fotografia branca e congelada de velhice pelo tempo ido.
Caía uma chuva fina na noite adentro filtrando uma débil luz pálida do poste na calçada. Segui olhando lentamente de minha janela escura, até perdê-la de vista.
A rua sem o pequenino caminhante de cabelos brancos ficou tão vazia que, de súbito, me veio a impressão de que todos os habitantes haviam abandonado a cidade e eu ficara sozinho, numa absurda e desconhecida sala de escritório da zona norte, sem luz, sem saber porque estava ali, nem o que fazer. Ele se perdia na touceira de grama molhada que apagava o seu celular e sapatos.
O dedo indicador corria ateu por toda a vidraça desenhando caminhos que se interligavam. Ali perto, a cidade rangia com seus ruídos de buzinas impacientes de ônibus e de motos. Um telefone tocando em vão: seria alguém querendo uma informação ou um engano por erro de digitação?
Penso no desgaste emocional, mental e físico, desnecessário desta vida de tantos desencontros, incertezas e do jogo de ambições e vaidades. Na procura da beleza estética, dos prazeres do amor líquido, instantâneo, passageiro das ilusões na caça do dinheiro e no êxtase pelo poder. Onde encontrar uma cidade, um doce recanto que me permita evasão fácil para as matas e águas naturais?
Estava ali no limite dos muros e das paredes de concreto do labirinto da cidade. Pensando sobre os problemas urbanos de homem civilizado – mas em frente de casa, um lagarto correu de súbito para um tijolo cinzento, embaixo da velha árvore, e fiquei atento ao comportamento arredio daquele animal e, também, à sua vida silenciosa e seu misterioso coração clandestino, com sua pele camuflada na textura mineral da pedra.
Comecei a me sentir em paz ao ser confundido com a terra e as suas raízes profundas e úmidas. Num grande sossego emiti um bocejo mesclado de sono e preguiça, pela fartura e calmaria do abrigo da terra e da água, fiquei com a alma plena de verde coberto pelas folhas formando uma copa densa.
*Rubens Shirassu Júnior é escritor
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