Segunda-feira 1 de maio de 2018 | Presidente Prudente/SP

Prudente sofre dobro de efeito de ilhas de calor comparada à cidade francesa

Marcos Pivetta – Fapesp

Em 04/10/2023 às 09:09

De julho a agosto, na estação seca, a diferença noturna de temperatura entre uma área mais urbanizada e uma rural em Presidente Prudente pode chegar a 9 ou 10 °C

(Foto: Sérgio Borges/NoFoco)

A emissão de gases de efeito estufa é o principal motivo que torna o clima na Terra progressivamente mais quente a partir de meados do século XIX. Do início da Segunda Revolução Industrial até hoje, a temperatura média do planeta subiu cerca de 1,1 grau Celsius (ºC). No plano local, o estilo de vida urbano adotado atualmente pela maior parte da população global potencializa ainda mais o calor de fundo criado pelas mudanças climáticas. 

Ao lado de colaboradores espalhados pelo país, a geógrafa Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente, tem estudado o fenômeno das ilhas de calor em cidades brasileiras de médio e pequeno porte, como Florianópolis (meio milhão de moradores), a matogrossense Sinop (200 mil habitantes) e a paulista Rancharia (30 mil munícipes). 

“Embora as cidades de médio e pequeno porte tenham menos poluição e muito menos pessoas amontoadas em uma pequena área do que as metrópoles, o impacto das ilhas de calor também é assustador nelas”, diz. 

O projeto de mais longo prazo tocado pela geógrafa, financiado em grande parte pela Fapesp, é uma comparação do efeito das ilhas de calor em duas cidades de médio porte situadas em zonas climáticas distintas.

Prudente sofre o dobro

Como representante de uma área tropical foi escolhida Presidente Prudente, com 230 mil habitantes, onde se situa o campus da Unesp em que a geógrafa trabalha. Rennes, no oeste da França, com 220 mil moradores, foi tomada como exemplo de centro urbano de clima temperado. 

Durante nove meses, com o auxílio de 26 sensores que mediam diariamente o calor em 26 pontos distintos de Presidente Prudente, dos quais 5 em áreas rurais e 21 em setores urbanos, Amorim acompanhou o comportamento da temperatura em diferentes zonas da cidade. Colegas da Universidade de Rennes fizeram algo semelhante na localidade francesa, onde chove em média 600 milímetros por ano, metade da pluviosidade típica no oeste paulista.

Grosso modo, o peso do efeito das ilhas de calor foi o dobro em Prudente do que em Rennes, como mostra um estudo publicado pela brasileira e os colegas franceses na revista Urban Climate em julho de 2021. “De julho a agosto, na nossa estação seca, a diferença noturna de temperatura entre uma área mais urbanizada e uma rural em Presidente Prudente pode chegar a 9 ou 10 °C”, comenta a geógrafa. 

“Em Rennes, ela raramente ultrapassa os 5 ºC.” O asfalto e o concreto absorvem mais calor do que a vegetação e demoram mais tempo para liberar essa energia térmica. Como resultado, boa parte do calor do dia é dispersado apenas tarde da noite nos setores de urbanização mais precária. Durante o dia, a disparidade térmica nas distintas áreas da cidade paulista giraram em torno de 3 ºC.

Habitações populares como uma das causas

Uma das particularidades que mudam a magnitude do efeito das ilhas de calor é o padrão de ocupação do solo nas áreas urbanas. Em Presidente Prudente, por exemplo, a presença de habitações populares construídas em lotes pequenos, praticamente desprovidos de áreas de terra exposta ou de vegetação entre o espaço ocupado por duas casas, é um traço urbano nacional que exacerba ainda mais o calor sentido nas cidades brasileiras.

Desde 2007, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), mais pessoas vivem em cidades do que no campo, um padrão de habitação e ocupação do solo provavelmente inédito na história da humanidade. Hoje, mais de 55% dos 8 bilhões de habitantes do planeta moram em centros urbanos. Em muitos países, esse percentual é bem maior e, no Brasil, chega a 88%.

Com menos áreas verdes, mais concreto e asfalto e ocupação geralmente desordenada do solo, as cidades são mais abafadas do que as áreas rurais. Dentro do meio urbano, as zonas com menos árvores e vegetação são ainda mais quentes e formam bolsões de clima abafado. Esse efeito é denominado ilha de calor urbana. 

Até poucos anos atrás, ele era mais sentido e estudado em grandes cidades, com milhões de habitantes, como São Paulo, Rio de Janeiro ou qualquer outra grande metrópole. Hoje, as ilhas de calor se manifestam em cidades de qualquer tamanho, das menores às maiores. As diferenças de temperatura entre um bairro arborizado e outro com o solo totalmente impermeabilizado chegam frequentemente a 5 ºC, com picos de 10 ºC de disparidade em certas horas do dia.

O que pode ser feito

Depois de realizarem uma revisão da literatura científica, pesquisadores das universidades federais do ABC (UFABC) e do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) propuseram um refinamento da metodologia usada para classificar as diferentes zonas climáticas dentro das cidades em função do efeito das ilhas de calor. 

A proposta foi apresentada em um artigo científico publicado neste ano na revista Remote Sensing. Além de levar em conta a quantidade de árvores e vegetação, os pesquisadores defendem a adoção de dados provenientes de levantamentos de sensoriamento remoto para determinar os pontos mais críticos para o efeito das ilhas de calor.

“A geometria das construções influi na circulação dos ventos e pode gerar maior ou menor sombreamento”, diz o geógrafo Victor Fernandez Nascimento, da UFABC, um dos autores do trabalho. 

“Isso pode exacerbar ou diminuir o efeito das ilhas de calor em uma área.” Conjuntos de prédios excessivamente altos, construídos muito próximos entre si, ou ruas estreitas podem dificultar a circulação do vento e aumentar a sensação térmica em certos pontos das cidades. Já avenidas mais largas, com edificações baixas, pontuadas por árvores e jardim, deixam o vento penetrar nas cidades e amenizam os rigores do clima. 

“As mudanças climáticas globais afetam muito as cidades, onde mora a maioria das pessoas. Precisamos repensar nosso padrão de urbanização”, comenta Nascimento.

 

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