Segunda-feira 1 de maio de 2018 | Presidente Prudente/SP

"Manifesto das Visitantes", por Rubens Shirassu Júnior

Rubens Shirassu Jr.

Em 02/09/2013 às 17:10

A primeira chegou aos berros e chamou atenção dos transeuntes que passavam ao lado. Levanta o braço direito, de punho fechado, reivindica por mais espaço com árvores. Reunidas no quartel general numa casa da Rua Régis Bittencourt, esquina com a Luiza Vernile Cilla, antiga Barão de Serra Negra, dezenas de manifestantes participam todos os dias, no primeiro horário, às 7 da manhã e, no segundo, às 17 horas de um comício desautorizado, em princípio, pelos proprietários da residência. São dos mais variados tamanhos e maior diferença de idades. No momento, estão em cima do muro, no local da concentração, uma meia dúzia de gatos e gatinhas pingados, armados de unhas e dentes, acompanham na espreita.

A primeira a subir ao tablado, que era um engradado de cerveja emborcado, foi uma menina de óculos espessos, de cabelo longo amarrado em forma de rabo de cavalo.

- Rogamos pelos nossos direitos, garantidos pela Constituição, aos homens do poder! – gritou ela. Nosso protesto é contra o descaso ao problema que vivemos! – respondeu em coro a multidão raivosa.

- Todo poder aos moradores sem teto! – prosseguiu veemente a estudante, de olheiras fundas de tanto estudar de madrugada, mesmo sem conseguir disfarçá-las pelos óculos de grau, cor verde champanhe. Seu semblante lembrava vagamente a Angelina Jolie, conhecida no meio universitário público, como a líder inconteste dos direitos humanos, do Greenpeace e sem teto.

Em seguida, pediu a palavra uma companheira de luta, de olhos tristes. Do alto do caixote, falou muito rouca, chorando e quase sussurrando a coitada: - Não quero mais passar vergonha migrando de uma casa a outra, sem procedência!

- Claro, que caracteriza invasão de propriedade alheia. Nós também sentimo-nos marginalizados, envergonhados, por tamanha humilhação e falta de respeito aos cidadãos! – responderam em uníssono os manifestantes. Lá do meio do povo, alguém esbravejou como uma águia:       - Nossos representantes nas câmaras municipais, governos estaduais e federais, precisam aprender que o povo brasileiro necessita de teto para garantir sua segurança e conforto!

- Bravo! Apoiado! – concordou a comunidade reunida.

- Cafofo em área verde! Queremos moradia digna no campo, mas, nem pensar em projeto de casas populares, igual ao João de Barro – puseram o bico na conversa – três ou sete, provavelmente da mesma ninhada. Somos do bem, de família e, portanto, temos direito a um lugar, seja apartamento ou casa, onde possamos viver a vida simples, sem que intrusos invadam a nossa privacidade!

- Muito bem! Falou! Podem crer! - entoou em coro o casal de franguinhos brancos que mora ao lado, num sobrado inacabado de dois andares, fora das normas do código de obras, e que faz pipi nos vizinhos da sacada. Enquanto as baforadas quentes sobem das calçadas, em noite de verão: - Vejam só a heresia e o atentado ao pudor! – protesta a Dona Anunciata, solteirona convicta e filha de Maria confessa, segurando o escapulário, roga a misericórdia divina com os olhos voltados para o céu.

Agora, sobe no tablado uma senhora caquética, com sua cara abobalhada e seu tradicional bom coração: - Senhoras e senhores - disse ela - sejamos objetivos. Desejo colocar em votação uma proposta simples, de três pontos, a qual, se aprovada, será encaminhada aos nossos políticos representantes, em forma de abaixo-assinado. Primeiro ponto: - "Queremos autonomia para nosso sindicato e também regularizá-lo de acordo com batizando de Quero o Verde da Vida, a Minha Roça de Volta e, Tô Fora da Cidade-Gaiola.”

- Apoiado! - gritou a assembleia.

Segundo ponto: ... Mas, antes, para evitar tumulto, prefiro que os distintos companheiros, em vez de piarem, guincharem, chilrearem, trinarem, assoviarem e coisa e tal, balancem o rabo em sinal de aprovação. Aqueles que não mais possuem rabo poderiam piar, mais docemente, pois uma de nossas preocupações principais há de ser a de não agravar a poluição sonora, de maneira a não indispor a opinião pública contra a nossa causa...

Todos balançaram o rabo, em silêncio. A questão da oradora fora aceita. Ela então prosseguiu: - Ainda no segundo ponto: - "Queremos fazer nosso cooper avícola apenas nas praças da cidade".

Rabinhos balançaram para lá e para cá: aprovado.

- Terceiro ponto: "É preferível que não nos deixem entrar pelo telhado, onde compulsivamente roemos a fiação causando uma porção de estragos e, os donos correm o risco de incêndio!"

Rabinhos alegres: de acordo.

Nessa altura, todos ali estavam com vontade de almoçar. Sendo assim, a garota branca, semblante de estudante “nerd” pelas olheiras e óculos de grau, decidiu dar por encerrada a reunião, recomendando que os manifestantes se dispersassem em ordem.

Mas nesse instante pulou no caixote uma autêntica maritaca sindicalista, representando o proletariado insatisfeito e indignado, magrinha, de olhos famintos, as costelas aparecendo sob as penas ralas, o rabo entre as pernas.

- Irmãos! - bradou ela, ou melhor, essa palavra num gemido: - Irmãos! Todos somos irmãos! Todos os seres da fauna são iguais! Portanto, o verdadeiro problema não está na devolução de terras, de áreas verdes, nem na construção de casas e apartamentos. O necessário é que todos nós, os de pedigrees e os da rua, os de raça e os vira-latas, tenhamos, todos, direito aos cuidados veterinários periódicos, à vacinação gratuita, à alimentação farta e balanceada, à coleira protetora com sua placa de identificação, aos banhos seguidos de talcos contra pulgas, carrapatos, coceiras e sarnas. Viva, pois a revolução! Todo o poder as maritacas discriminadas, sem distinção de raça, cor ou credo!

-Uh! Fora! - gritaram os cães dos vizinhos, que pertencem todos, naturalmente, a ala da Situação, e preferem que as coisas continuem como estão, no plano da justiça social: - Fora! Sarnentas! Penosas! Comedoras de restos e fios velhos! Ralé!

A cachorrada de raça avançou na direção das maritacas anarquistas, rosnando ameaçadoramente. Foi preciso que os gatos salvassem as manifestantes do linchamento inevitável, para o que o cercaram, dispersando a cachorrada com balas de borracha, spray de pimenta e bomba de gás lacrimogênio.

Em seguida, o Batalhão de Gatos, com boné de bico e pés redondos, levou a comunidade das maritacas para o lugar adequado a essa espécie agitador: a gaiola. Elas agora estão sendo processadas e é capaz de passarem uns meses numa PENITÊNCIA-AVIÁRIA. - sentencia latindo alto um pastor alemão, do outro lado do muro.

(*) Rubens Shirassu Jr. é designer gráfico e escritor

Compartilhe
Notícias Relacionadas

Telefone: 18-98122 7428

© Portal Prudentino - Todos os direitos reservados.