Eliseu Visconti*
Em 28/05/2011 às 07:59
Pode-se
interpretar a assunção de diferentes faces como um ato de traição. Atores e
poetas vivem, de certa forma, seus personagens. Muitos deles confundem-se com
as suas criaturas, e conseguem se mimetizar com elas e ninguém garante se eles,
poetas e atores, adquirem de fato aquelas personalidades.
Poucos
desempenham os seus papéis ou alter-ego com a desfaçatez dos cínicos.
Fernando
Pessoa afirmava que “o poeta é um fingidor,” e os seus principais heterônimos
tinham diferentes ocupações, hábitos e cada um com o seu mapa astral.
Lon
Chaney, filho de pais surdos, adquiriu a incrível habilidade de se caracterizar
como as mais surpreendentes caracterizações, e foi conhecido como “O homem das
mil faces,” que rendeu um filme, “The man
of a thousand faces” de 1957, estrelado por James Cagney. (será ele ainda
mais cínico do que o protagonista?)
Billy
Liar, 1963, com Tom Courtenay, (Billy, o mentiroso) vivia o sonho de sair para
uma cidade grande e se tornar um escritor de comédias.
Todo
este intróito dedica-se a externar um profundo desgosto com o meu país e a
cidade em que tento sobreviver. O desencanto trata da política, este
guarda-chuva grande e aberto, que só tem acolhido em seu bojo a prática da
mentira, da traição, da cobiça, dos conciliábulos, das falsas religiões, da
chantagem e da corrupção.
No
plano nacional, vimos o trato que se dá aos ladrões das suas falsidades como se
nada tivesse acontecido. Ninguém paga por seus crimes, e tudo se passa a limpo.
Réus passam a ser acusadores. Mentirosos negam a evidência. Todos são
inocentes, culpados ou não.
Na
minha cidade, prefeito sujeita vereadores, que por sua vez baixam as cabeças, e
pouco produzem; pactua com os antes
inimigos mortais e celebra alianças impensáveis, tudo em nome da política, e em
nome da cobiça.
As
traições campeiam nos gabinetes, que pugnam por conquistar as benesses dos
políticos estaduais e municipais, prestando-se servilmente para colocar seus
protegidos – muitos despreparados, moral e intelectualmente – que por sua vez,
os protegidos, correm para debaixo do guarda-chuva, julgando-se a salvo. Quanta
ilusão!
Sinto-me
como se fora um profeta bêbado, que tropeça nas ruas com a voz rouca, tentando
anunciar as suas crenças e convicções. Ninguém ouve, ninguém tem tempo e nem
compreende. Todos afivelam-se a máscara de ocasião, seja a face dos filósofos,
a dos religiosos, a dos doutores em lei, a dos guardiães da ordem e a dos
falsos conselheiros, sempre em benefício do seu egoísmo pessoal, com o seu
caráter cínico. Há os falsos humildes, que só “querem o bem e o interesse da
população.”
Estes
atores não merecem o aplauso, mas o opróbrio. Eles haverão de prestar contas a
alguém, seja a Deus ou aos demais seres humanos.
Confesso,
pois, o desânimo e a desilusão, ao julgar que a minha cidade ainda irá sofrer e
continuará sendo vítima daqueles que praticam as mil faces, julgando-se
vencedores.
No
final da comédia, cairá o pano.
*Eliseu Visconti é jornalista e escritor
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