Rubens Shirassu Jr.(*)
Em 08/06/2011 às 10:47
Há
momentos na vida em que o Homem (aí subentendido a Mulher também) deveria fazer
um inventário de si mesmo – seus sonhos, suas desilusões, suas possibilidades e
onde sente um comichão na cabeça – e se faz perguntas. Vale a pena? Aproveito o
“blecaute”, de algumas horas, e me olho dentro de minha casa interior, ao redor
da cordilheira.
Como
você sabe, traço caminhos supondo um conhecimento, embora planeje há tanto
tempo. Faço coisas como refestelar no sofá da sala criando um clima assim mais
íntimo, mais acolhedor, mesmo do inevitável das palmas molhadas das mãos, e
qualquer coisa como um leve tremor dentro de você.
Era
isso – esse gesto sincero, impulsivo que foge da rotina mecânica. Mas, você
traz a memória de qualquer coisa macia que me alimenta nos dias solitários.
Sobretudo à noite, aos domingos. Consegui um jeito de olhar por trás do muro de
minha casa, vendo o que pouca gente vê. Atrás do meu quintal, retomo um momento
submerso em mel e vinho, como sangue que Deus colocou inesperadamente, e com
tanta delicadeza, frente aos meus olhos há muito incapazes de ver concretizado
um amor.
Curvo
a cabeça, agradecido. E abro as janelas, no meio de canteiros dentro de mim,
posso traçar as retas e curvas, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então,
por compartilhar com você estas revelações de epifania como joias encravadas no
dia-a-dia. E, de repente, sinto-me protegido, você sabe como: a vida toda,
esses pedacinhos se armavam de outro jeito, fazendo sentido.
No
campo magnético, a Ellen olha como um colo quente que é ter uma face para você,
no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia metódico e banal
atravancando o coração. Aqueles mesmos olhos que dizem “nada está
pré-estabelecido, não temos compromisso com nenhuma forma de coerência, podemos
ir inventando o nosso destino no caminho.” Mas vamos continuar sentindo um
comichão ao olhar o “blecaute” na cordilheira.
Debater
as causas do “apagão”, seja como uma estratégia para desacreditar o governo ou
a falta de política energética e infraestrutura não é nenhum bicho de sete
cabeças. O problema é que, às vezes, fica mais fácil eleger um vilão do que
encarar todo o egoísmo, a mediocridade e a miséria que nos cerca.
(*) Rubens Shirassu Jr. é designer gráfico e escritor
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