Rubens Shirassu Jr.*
Em 15/02/2011 às 18:05
A filosofia oriental – em particular, a
chinesa – procura compreender as leis profundas que regem o real, através da
observação atenta da natureza. Essa se mostra como puro dinamismo,
transformação incessante, de resíduos efêmeros. Essas reflexões têm relação com
o momento que a nossa vida coletiva, como Nação – isto é, nossa política –
atravessa. Não é à-toa que se fala tanto em desequilíbrio, desnível e desajuste
social. Os dois princípios primordiais, Yin e Yang, são por isso concebidos de
maneira dinâmica: Yang, o princípio ativo, move-se e pára; Yin, o princípio receptivo,
abre-se e fecha. Tal dinamismo corresponde aos movimentos binários de todos os
processos naturais: inspiração e expiração, expansão e contração, sístole e
diástole, reunião e dispersão, aumento e diminuição etc.
A tese e antítese marxistas, por exemplo,
foram concebidas a partir da observação da presença atuante desse dinamismo na
evolução da vida material das sociedades humanas.
O retorno do reprimido, uma lei da
psicanálise é, hoje, para o melhor pensamento contemporâneo, uma lei histórica,
a fornecer continuamente as suas provas. O trabalho incessante do inconsciente
coletivo aflora à superfície, em termo de ação, seja em fatos e acontecimentos,
que rompem as barreiras do previsível. Mais uma vez, a criação pura, que é o
real, surpreende o cálculo, o computadorizável, arrancando um alimento
aparentemente improvável, mas efetivo, dos recessos mais obscuros da psiquê. O
retorno do reprimido manifesta na superfície pública, no plano político: o
confronto dos “sem terra” com os fazendeiros, a reforma agrária, o salário
baixo e a falta de estímulo dos professores, a onda de greves, a agitação da
população pela desigualdade social... O reprimido reivindica os seus direitos,
transfigurado pela própria repressão que o silenciou. O famoso desenvolvimento
histórico é pluridimensional, em vários níveis, quer dizer, imprevisível.
A impotência final das tentativas de controle
absoluto, por mais violentas ou cruéis nos seus métodos, perde suas máscaras. Da
história pública, cristalizada nos meios de comunicação de massa, para a
história secreta, interna, que determina - em última análise - o comportamento
dos homens numa civilização que arrebenta aos poucos. A verdade é que por
maiores, mais persistentes ou obstinados os nossos esforços por adaptação às
codificações, por ajustamento generalizado, o trabalho incessante e secreto
entra em erupção.
Os sinais externos já são visíveis a olho nu:
aguçamento inevitável das contradições, deterioração sem remédio dos velhos
costumes, desorientação, dispersiva ansiedade e - portanto - reiterando
promessas de um Apocalipse.
A cultura do medo, do consumismo desenfreado
e a falta de engajamento impregnaram nosso pensamento científico e nossa
orgulhosa razão, dos quais somos meros espectadores de um espetáculo podre,
bárbaro e sem graça.
Hoje, sentimo-nos impotentes e insatisfeitos
diante da situação. É uma verdade, encare de frente, uma cultura concebida sem
bases ou objetivos. A corrente da consciência aduba o terreno para um novo
estilo de pensar, ajustando a própria mente e o coração à mais estrita, genuína
realidade – única maneira de encarar a mediocridade, a miséria, ao extremo do
capitalismo selvagem e responder, de maneira adequada aos seus desafios. Norman
Brown diz que o verdadeiro Apocalipse, de que tanto falam, é mental.
Paramos o mundo, deixamos que ele se
desmanche, na cabeça. É a mente que revoluciona a chamada realidade concreta -
social, econômica e política - até que floresça em ação criadora ou
comportamento artístico. Todos os indícios apontam para uma fase histórica, de
transição, de profundas modificações em todos os níveis de nossa experiência
comum. O fato é que não podemos viver para sempre do mesmo jeito. A natureza do
mundo é ser eternamente incompleta e, portanto, puro movimento e transformação.
(*) Rubens Shirassu Jr. é designer gráfico e escritor