Reinaldo Ruas
Em 30/10/2008 às 11:06
Foram quebrados os sigilos fiscais do ex-prefeito de Iepê, Faiad Habib Zakir, e sua filha, além de Francisco Emílio de Oliveira e de outras cinco pessoas envolvidas no esquema de fraude em obras financiadas pela CDHU. A Justiça decretou sigilo no processo por causa dos dados fiscais dos réus. Cabe recurso.
A decisão foi publicada hoje no Diário Oficial da Justiça (DOJ) e é da juíza do Fórum Distrital de Iepê, Luciana Menezes Scorza de Paula Barbosa. O pedido partiu do Ministério Público do Estado (MPE), que move ação civil pública por improbidade administrativa contra oito réus.
O MPE busca o ressarcimento de um desvio de verba na ordem de R$ 1.821.604,00 por fraude a licitações para a construção dos conjuntos habitacionais Iepê F e G. Os bens dos acusados já estão indisponíveis desde o ano passado. A ação pede a aplicação de todas as penalidades da lei de improbidade, como a perda dos direitos políticos por oito anos, perda do cargo, multa, reintegração total do dano e proibição do réus de contratarem com o Poder Público por três anos.
A quebra do sigilo fiscal autorizado pela Justiça atinge o ex-prefeito Faiad Zakir, sua filha Mirian Rosa de Alcântara Zakir, do empresário Francisco Emílio de Oliveira (Chiquinho da CDHU), Edileni Luiz Ferreira, Rita de Cássia Virgili Monteiro, Luiz Paulo Sampaio Kauffman, Lucília Fernandes de Souza e Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio. Os dados requeridos são dos últimos cinco anos do Imposto de Renda dos réus.
Entenda o caso - Miriam Zakir é filha do prefeito e foi incluída na ação porque, segundo a ação do MPE, "o pai utilizava a conta da filha para recebimentos". O processo possui cerca de 40 páginas, cópias de jornais e grampos telefônicos autorizados pela Justiça, além de análise de documentos das investigações do MPE e da Polícia Civil, que desarticularam o esquema de fraudes em licitações na chamada Operação Pomar.
Em escuta telefônica autorizada pela Justiça, o prefeito confirma o recebimento de R$ 6 mil de um membro da organização criminosa que atuava fraudando licitações para a construção de casas da CDHU na região de Prudente e até elogia a pontualidade no pagamento. O prefeito Zakir se defendeu na época e afirmou que o pagamento referia-se à venda de gado para Francisco Emílio de Oliveira (conhecido como Chiquinho da CDHU), de quem recebeu o dinheiro.
Zakir foi afastado do cargo no ano passado neste mesmo processo. Permanece sem o mandato. Disputou o pleito de outubro e foi derrotado nas urnas.
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Conheça o teor da ação civil pública que tramita em Iepê, inclusive com os diálogos das interceptações telefônicas:
Excelentíssima Senhora Doutora Juíza de Direito da COMARCA DE IEPÊ – SP.
"Todas as ambições são legítimas,
exceto aquelas que atropelam as misérias
e credulidade da humanidade."
Joseph Conrad (1857-1924)
O Ministério Público do Estado de São Paulo, pelos Promotores de Justiça infra-assinado, com fundamento nos artigos 37, § 4º, 127 e 129, inc. III, da Constituição Federal, 1º, inciso IV, 8º, e 21 da Lei Federal 7347/85, 17 e 22 da Lei Federal 8429/92, e 25, inciso IV, e 26, da Lei Federal 8625/93, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, promover a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, com pedidos liminares, observado o procedimento ordinário, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas, em face de:
FAIAD HABIB ZAKIR, Prefeito Municipal da cidade de IEPÊ, com endereço na Rua Rio Grande do Sul, nº. 179.
FRANCISCO EMÍLIO DE OLIVEIRA, vulgo "Chiquinho do CDHU", engenheiro civil, inscrito no CPF/MF sob o nº 050.787.278-92 e com cédula de identidade registrada sob o n. 8.630.499-SSP/SP, residente no Sítio Bom Jesus, Distrito de Espigão, na cidade de Regente Feijó/SP.
EDILENI LUIZ FERREIRA, representante legal da empresa"FT Construções e Comércio Tarabai Ltda", inscrita no CPF/MF sob o nº 158.720.478-94 e com cédula de identidade registrada sob o n. 14.414.668-SSP/SP, residente no Sítio Bom Jesus, Distrito de Espigão, na cidade de Regente Feijó/SP.
RITA DE CÁSSIA VIRGILI MONTEIRO, representante legal da empresa "Virgili e Monteiro Ltda ME", inscrita no CPF/MF sob o nº 114.223.578-56 e com cédula de identidade registrada sob o n. 7.595.800-SSP/SP, residente na Rua Júlio Mesquita, n. 211, Centro, na cidade de Regente Feijó/SP.
LUIS PAULO SAMPAIO KAUFFMAN, representante legal da empresa"Monte Alto Comércio de Materiais para Construção Ltda", inscrito no CPF/MF sob o nº 097.679.068-86 e com cédula de identidade registrada sob o n. 21.512.227-6-SSP/SP, residente na Rua Fernão Dias, n. 761, Jardim Paulista, nesta cidade de Presidente Prudente/SP.
LUCÍLIA FERNANDES DE SOUZA, representante legal da empresa "Lucília Fernandes de Souza ME",com nome fantasia "Vidraçaria Avenida" inscrita no CPF/MF sob o nº 164.498.798-82 e com cédula de identidade registrada sob o n. 27.132.290-SSP/SP, residente na Rua Pedro Bortoli, s/n ou na Rua José Cândido, n. 28, ambos no Jardim das Acácias, na cidade de Tarabai/SP.
ROSALY SYLVIA RAMALHO SAMPAIO, representante legal da empresa "Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio – EPP", inscrita no CPF/MF sob o nº 00.487.032/0001- 63 e com cédula de identidade registrada sob o n. 28.352.451-0 SSP/SP, residente na Rua Gabriel Otavio de Souza, n. 488, Vila Tazitzu, na cidade de Presidente Prudente/SP.
MIRIAN ROSA DE ALCANTARA ZAKIR, com endereço na Rua Rio Grande do Sul, nº. 179, Iepê.
DOS FATOS:
Conforme se depreende das notícias veiculadas na imprensa escrita e falada regional nos dias 16, 17, 18 e 19 de maio do corrente ano, o Ministério Público do Estado de São Paulo, em conjunto com a Polícia Civil bandeirante, desmantelou uma organização criminosa que vinha atuando na região de Presidente Prudente há mais de 12 (doze) anos. Esta quadrilha tinha por principal atividade a construção de casas em conjuntos habitacionais pelo Sistema de Autoconstrução e pelo Mutirão Associativo, com verbas da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano), em parcerias com prefeituras ou com associações de mutirantes.
Antes de adentrar ao mérito da presente demanda, necessário se faz discorrer, em linhas gerais, sobre as práticas ilegais desta organização e sobre seus principais articuladores.
Em primeiro lugar, é de se dizer que este grupo criminoso é chefiado pelo requerido Francisco Emílio de Oliveira, vulgo "Chiquinho do CDHU". A pessoa jurídica centralizadora de toda a atividade ilegal desta organização criminosa é a empresa "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda", que funciona como uma sede de todo o meandro criminoso. Apesar desta empresa, que sempre sai vencedora nas licitações para gerenciamento de obras com verba da CDHU na região, estar em nome da esposa de Francisco, de nome Edileni Luiz Ferreira, todos os indícios colhidos ao longo das investigações pelo Ministério Público e pela Polícia Civil dão conta de que ele é seu real proprietário.
A organização criminosa em tela engendrou um esquema capaz de criar com muita rapidez várias empresas de "fachada", as quais sempre participam de licitações para a construção de conjuntos habitacionais. Tal grupo é o responsável pelo projeto e pelas planilhas de quantidade de materiais que serão empregados nas construções das unidades habitacionais e, posteriormente, na infra-estrutura do conjunto.
As obras são compostas, em parte, por gerenciamento e treinamento de mutirantes, o que representa cerca de 20,85% do valor global do empreendimento. O restante é composto pela aquisição de materiais de construção.
O grupo criminoso sempre logra vencer a licitação de gerenciamento da obra, que em sua maioria é realizada por carta convite. Esta espécie de licitação facilita a perpetração da fraude, pois nela somente concorrem aquelas empresas que são convidadas. Após o êxito nesta primeira licitação, o próprio grupo fornece a planilha superdimensionada dos materiais a serem adquiridos, passando este documento a integrar o edital de licitação para fornecimento de materiais de construção. Assim, nos pregões ou concorrências, as empresas do grupo podem lançar preços bem inferiores aos de custo, porquanto sabem que a quantidade de materiais constantes do memorial descritivo é superfaturada.
Como se isso não bastasse, as empresas do grupo também sabem que a qualidade do material que irão fornecer é inferior à exigida no contrato, pois tal fato será posteriormente ratificado pelo setor de engenharia da prefeitura e pelos engenheiros da empresa "LBR-Tjofran", responsáveis pela fiscalização e medição das obras, que já estão conluiados com a organização.
Em suma, a organização criminosa, contratada fraudulentamente pela Prefeitura, por meio da empresa "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda", para gerenciar a obra, manipula o edital de licitação dos materiais de construção e faz com que as propostas de suas filiais de fachada sejam invencíveis. É essa empresa que contratou com nosso município.
Especificamente na cidade de Iepê, segundo os documentos nº 01, a empresa "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda" foi a vencedora da Carta Convite nº. 10/2005, para administração da obra e treinamento de mutirantes, destinadas a produção de 45 (quarenta e cinco) unidades habitacionais, Tipologia – CDHU-TI 24 A pelo regime de auto construção no empreendimento denominado Conjunto Habitacional Iepê "F", pelo valor de R$77.895,45 (setenta e sete mil oitocentos e noventa e cinco reais e quarenta e cinco centavos).
Posteriormente, depois de engendrar todo o esquema fraudulento supra descrito, conseguiu fazer com que uma de suas empresas fantasmas, "Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio – EPP", obtivesse o maior número de item aprovados para fornecimento de materiais de construção, na Tomada de Preço n.02/2005, pelo valor de R$340.714,06 (trezentos e quarenta mil setecentos e quatorze reais e seis centavos).
Tanto a empresa contratada para o gerenciamento e fiscalização, como a empresa vencedora para o oferecimento de materiais de construção, na verdade, são de propriedade de um único grupo, comandado pelo requerido Francisco Emílio de Oliveira.
Tal esquema fraudulento perdurou nesse Município, tendo em vista que no ano seguinte (2006) novas licitações foram realizadas para a construção de unidades habitacionais, e como não poderia deixar de ser, a empresa "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda" foi selecionada na Tomada de Preço n. 08/2006, para administração de obras de mutirão e treinamento de mutirões com cessão de equipamentos e ferramentas, destinadas a produção de 143 (cento e quarenta e três) unidades habitacionais, Tipologia – CDHU – TI 24 A, pelo regime de auto construção no empreendimento denominado Conjunto Habitacional Iepê "G" em regime de mutirão, pelo valor de R$ 346.614,84 (trezentos e quarenta e seis mil seiscentos e quatorze reais e oitenta e quatro centavos)
Utilizando o mesmo modo de agir anteriormente demonstrado, conseguiu fazer com que três de suas empresas fantasmas, quais sejam, "Monte Alto Comércio de Construções Ltda-ME", "Virgili & Monteiro Ltda ME" e "Vidraçaria Avenida", vencessem o pregão n. 01/2006 para fornecimento de materiais de construção.
Os valores de contratação das empresas supra descritas foram de R$ 133.100,00 (cento e trinta e três mil e cem reais) para a "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda", R$ R$ 521.464,71(quinhentos e um mil quatrocentos e sessenta e quatro reais e setenta e um centavos)para a "Monte Alto Comércio de Materiais para Construções Ltda", R$ 375.922,70 (trezentos e setenta e cinco mil novecentos e vinte e dois reais e setenta centavos) para a "Virgile & Monteiro Ltda-ME" e R$ R$25.899,50 (vinte e cinco mil, oitocentos e noventa e nove reais e cinqüenta centavos) para a "Vidraçaria Avenida".
Todas estas empresas mencionadas, na verdade, são de propriedade de um único grupo, comandado pelo requerido Francisco Emílio de Oliveira o que demonstra a anomalia nos certames licitatórios.
Na cidade de Iepê, a empresa "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda", com o conluio do Prefeito Municipal Faiad Habib Zakir, foi a vencedora das licitações para o gerenciamento de obras de construção de casas populares com a verba da CDHU.
A participação do réu Faiad no esquema fraudulento é patente, como se verá através das interceptações telefônicas apresentadas (documento nº 04), na qual se evidenciou o grau de relacionamento entre ele e o réu Francisco, representante das empresas, bem como as tratativas fraudulentas realizadas durante a execução da obra.
Além das interceptações telefônicas, a empresa "Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio ME" vencedora do fornecimento de materiais para a construção, da licitação de 2005, que é ligada ao grupo mencionado, efetuou um deposito bancário no valor de R$5.400, 00 (cinco mil e quatrocentos reais) na conta de Mirian Rosa Alcantara Zakir, filha do então Alcaide Municipal, conforme documento de nº 05
Todos esses fatos foram confirmados pelos depoimentos coletados durante a investigação criminal da organização criminosa realizada na cidade de Presidente Prudente, em especial, a oitiva de Maria Suzana Pinheiro e de outra testemunha, protegida por lei (documentos nº.06).
Segundo Maria Suzana Pinheiro, ela exercia a função de secretária da Empresa "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda", encarregada do movimento do caixa. Tinha conhecimento que a empresa é composta por um grupo de empresas, comandada pelo requerido Francisco Emílio Oliveira. Várias pessoas emprestam seus nomes para figurarem como representantes das empresas.
Com relação aos lançamentos efetuados, no relatório do caixa, existia a sigla "QLN" que significa quantidade liberada por natureza, referente aos pagamentos "por fora" não contabilizados.
Segundo o depoimento, diversos prefeitos freqüentavam o escritório da empresa conhecida como "FT" e tinha lançamentos do "QLN" com os nomes dos Municípios respectivos. Afirmou ainda que o Prefeito de Iepê visitava com freqüência a sede da empresa, e que o réu Faiad sempre ligava querendo falar com "Chico".
A outra testemunha, mantida em sigilo pela proteção permitida em lei, também relatou como o grupo realizava as fraudes e pagavam propinas aos Prefeitos Municipais da região, descrevendo a participação de todos os envolvidos no esquema criminoso.
Confirma os lançamentos da sigla "QLN" que significa "propina" "quanto levo nisso". Com relação ao Município de Iepê, informa que nos anos de 2005 " Chico" mandou realizar dois depósitos cada um no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) na conta indicada pelo Prefeito Faiad.
Tudo indica que uma destas contas apresentadas pelo Prefeito para ser depositado a propina, seja a de titularidade de sua própria filha, como faz prova o depósito bancário acima mencionado.
Estes fatos, por si só, demonstram que o réu Faiad tinha total ciência da manobra ilegal realizada para a construção das casas populares da cidade de Iepê, e o que é pior, foi conivente com tais irregularidades, a ponto de receber vantagem financeira pessoal por isso.
DA COMPROVAÇÃO DOS FATOS
Diante de todas essas informações levantadas, não há dúvidas de que a fraude no certame licitatório ocorreu no Município de Iepê, com o conluio do atual Prefeito Municipal.
É de se dizer, neste ponto, que o fato de a empresa vencedora das licitações de 2005 e 2006 "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda" para o gerenciamento de obra ter ligação com as demais empresas vencedoras da licitação referente ao fornecimento de materiais de construção fere os princípios administrativos da moralidade, da legalidade, da impessoalidade e da eficiência.
Além dos princípios norteadores da Administração Pública, tais licitações fraudulentas infringe as regras pré estabelecidas pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e urbano do estado de São Paulo), quando firma convênio com os Municípios.
A CDHU, no contrato que firma com as prefeituras municipais para o repasse da verba da construção das casas populares, determina que o gerenciamento das obras seja feito pelo próprio ente administrativo. Todavia, depois de solicitação da Administração, a CDHU autoriza que este gerenciamento seja perpetrado por empresa terceirizada, mas coloca como cláusula a impossibilidade de que a empresa vencedora da licitação de gerenciamento concorra na licitação para fornecimento de materiais de construção. E isto é óbvio, pois, se assim não o fosse, inexistiria a fiscalização da gerenciadora, papel fundamental na sua atuação, uma vez que ela estaria fiscalizando ela mesma (documento nº.02).
No caso dos autos, os documentos juntados pela Receita Estadual no Inquérito Policial da comarca de Pirapozinho que investiga criminalmente esta quadrilha (documento nº.03) demonstra que as empresas vencedoras da licitação para fornecimento de materiais de construção e a empresa que fiscaliza o empreendimento são todas uma única empresa disfarçada em diversos nomes, denominações e razões sociais, com um caixa único, para fraudar a concorrência em certames licitatórios, simulando a existência de diversidades de concorrentes participantes.
Assim, por esses documentos, verifica-se que a ligação das empresas que estão atuando no Município de Iepê, além de ser totalmente contrária aos ditames de uma licitação correta, denota indícios de fraude, porque é proibido vinculo entre elas por exigência da conveniada CDHU.
Esta atuação, que conta com o apoio do Prefeito Municipal, que, no caso dos autos, é o réu Faiad, fere os princípios administrativos da moralidade, da legalidade, da eficiência e da impessoalidade, devendo os envolvidos serem responsabilizados por isto.
Das provas apresentadas:
1. Interceptação telefônica:
As interceptações telefônicas confirmam o grau de relacionamento entre os réus Faiad e Francisco, e as negociações fraudulentas.
No dia 05/01/07 do corrente ano (documento n. 04 anexado aos autos), os dois locutores conversam sobre as irregularidades das obras:
"*FP- Tem um problema técnico ai sério para acertar...
**Ch – Certo.
FP – Mandei (inaudível) pagar você, era o seguinte cara, ta cotado lá no projeto onze PV e vocês fizeram oito.
Ch – Ham sei.
FP – Então...
Ch – Sei.
FP – É, nós não vamos poder empenhar (inaudível) porque se não o tribunal pega e mete o fumo em nós.
Ch - É vamos ver se , eu acho que nós fizemos mais metros lá viu Faiad.
FP –Hã?
Ch – Eu acho que saiu mais metro, entendeu? Da para compensar um pelo outro, as vezes é medir menos PV e mais metragem que é o que aparece depois, eu não lembro mais, mas o Lorival, na época, ele tinha falado que nós fizemos não sei mais quantos metros do que o que tava no projeto entendeu?
FP- O problema é que foi fiscalizado de uma forma diferente, o laudo que foi, não foi condizente com o que foi feito, mas a gente ta tendo uma idéia ai, depois pode discutir com você sobre isso...
CH - O Faiad deixa eu te perguntar um negócio, cara, o, mandaram aquele "cracará" pro ce?
FP – Mandaram.
Ch A verbinha, ah, então ta bom.
FP Impressionante como você ta sendo pontual eu não to nem acreditando...."
* FP – Faiad
** Ch – Francisco
No dia 03/01/07, exatamente dois dias antes da conversa acima descrita, Francisco recebeu uma ligação da pessoa (Lula) confirmando o depósito para Faiad, no valor mencionado seis (documento nº.04).
A conversa captada deixa claro o recebimento de propina pelo Alcaide, confirmada pela outra interceptação que menciona o depósito de seis.
Em continuidade, no dia 14/03/07, Francisco e Faiad novamente conversam, sobre a execução da obra e ainda achincalham a investigação realizada pelo Ministério Público, onde o Francisco orienta Faiad sobre como proceder na resposta ao ofício então expedido pelo Gaerco de Presidente Prudente solicitando remessa de documentos pertinentes ao caso em tela .
"*FP – Ó os home do Gaeco mandou aí um monte de pergunta para fazer viu!
**Ch – é eu sei! Mandou para Martinópolis também...eles querem saber agora se tem concorrência né! Naquela época eles verificaram se tinha notas né!
Ch – as notas foram verificadas, não tem calçamento, não tem nada, não acharam nada disso né! Agora eles querem saber outra parte...po tem! Tiraram nota? Mas tem concorrência ou foi feito que nem nos outros lugar faz (inaudível) entendeu? Mais ou menos o que eles pediram não é?
FP – é vai uma...vai se bom rapaz, já pensou na mesma cela: eu , você, o Tonho (inaudível).
Ch – ahahaha. Mudaram tudo de sala um para cela um! Ahahahahah!
FP – ahahahahahahaha!
CH – entra ai na cela um...como cela? Não...ali...ta todo mundo reunido ali, tem uns quarenta não é só essa turminha que você falou ai não ahaha! Mas ta bom Faiad!
CH – Oh Faiad?
FP – oi Chico fala?
CH – mas o que eles perguntaram memo foi só isso né?
FP – é...dero cópia do contrato lá ...e quer cópias das licitações só!
CH - é isso né! É o que eles vão verificar agora...ta certo!
FP – IEPF e o IEPG
Ch – IEPFG entendi, entendi! É os último né? Ele pediu assim IPF e IPG ou pediu as que tivesse?
FP – IPF e IPG...
Ch – ah ele foi claro né...entendi! Essas (inaudível) que foi até tomada de preço tudo né!
FP – (inaudível) foi pregão né?
Ch – Foi pregão! Tudo é que quando...ele pediu da FT quer dizer...se ele pediu da FT não é nem o pregão entendeu! Pregão é material!
FP – ah é!
Ch Ele ta pedindo, ele ta pedindo da FT não ta?
FP – Ta!
Ch então FT é a parte da administração técnica só entendeu?
FP – é mais vamo apresentar que houve o ...
Ch – isso!
FP - um calculo que não apareceu!
Ch – é lógico, ce tem...a concorrência é pra perfeito isso que é importante. Agora eles tão atrás agora eu descobri, qual o lugar que não tão fazendo e não temo concorrência..."
* FP – Faiad
** Ch – Francisco
Logo após, ainda no mesmo dia, outra ligação entre os locutores:
"**Ch – Oh Faiad! Esse pedido do Gaeco é muito grande ou não?
*FP – eles mandaro, mandaro duas, mandaro duas xérox lá. Eu mandei o Zé Roberto dar uma olhada e passar para o Toninho.
Ch – Não porque qualquer coisa eu queria dá uma olhadinha nisso aí, vê se dá pra passar um fax pra nós!
FP – era bom viu, era bom!
Ch – Ce não dá para passar um fax pra nós disso aí?
FP – não porque é confidencial.
CH – é confidencial...ah ta então nós vai aí dá uma olhada, então ta bom ahahahaah!
FP – (inaudível) eles tiraram um extrato da internet pelo que o Zé Roberto viu lá.
Ch – ah eles tiraram um extrato pela internet!
FP – É!
FP – é só umas perguntas lá tal...basicamente o código do processo.
Ch – entendi, entendi!
FP – Licitatório né!
Ch – é só as cópias do processo licitatório mesmo.
FP – qualquer coisa você dá uma ligada lá pro Zé Roberto...."
* FP – Faiad
** Ch – Francisco
Pela conversa, resta evidente e indiscutível que o Prefeito Municipal e o gerenciador do grupo das empresas Francisco, além de manterem estreito laço de amizade, estavam em conluio sobre quais informações e documentos deveriam ser apresentados ao grupo especializado do Ministério Público.
O documento do Ministério Público anexado no nº.07, expedido no dia 01 de março do corrente ano, requisita informações sobre os processos licitatórios relacionados ao empreendimentos Iepê "F" e Iepê "G", e foi enviado em caráter confidencial.
O sigilo das informações também foi quebrado pelo representante do Município, que além de informar o assunto ao outro requerido, pediu orientação em como proceder diante da resposta ao GAECO.
Tanto é verdade que o réu Faiad somente se mobilizou para enviar os documentos solicitados pelo Ministério Público, após a prisão cautelar de vários envolvidos no esquema criminoso, por determinação judicial expedida na operação no dia 15 de maio na cidade de Presidente Prudente. Ou seja, dois meses após a requisição Ministerial.
Além dessas interceptações, no dia 16/03/07, Faiad novamente ligou para Francisco tirando satisfações sobre a entrega de tijolos que uma parte ficaria no mutirão e outra seria entregue a particular, mas o "plano", não tinha acontecido como o combinado.
" *FP – Você não imagina a cagada que cê fez na minha vida mandando aqueles tijolo do jeito que você mandou.
**Ch – de que jeito eu mandei?
FP – ah, quê que isso rapaz....mandar lá para o CDHU e depois largar metade da carga na casa do rapaz lá. Deu o maior rolo rapaz, o quê que é isso Chico?
Ch – o cara não fez isso?
FP – Fez! Acabou com minha vida.
FP – era para consertar uma situação, fudeu a minha situação...fudeu!
Ch - Meu Deus do céu! Eu falei para ele separar todos os materiais num caminhão só como se fosse caminhão que fosse carregar material e entregar. Puta que pariu...
Ch- ah Faiad, eu nem sei o que te falar. Esse povo meu é foda viu cara, eu expliquei olha eu juro por Deus cara. Eu falei olha ce vai pegar, vai montar um caminhão com um pouquinho de cada coisa, como se fosse uma entrega ta certo!
Ch – pega o caminhãozinho do VM que não é um caminhãozinho nosso comum ta certo! E leva o pedaço e tem que levar até sábado....
FP- não agora tem que mandar alguém vir aí, tirar aquilo de volta e falar que foi engano...
FP – Ó ce vai fazer o seguinte é....vai pega esses tijolo certo! Tira e leva no campo da Portuguesa!
Ch – vai tira o tijolo e pô no campo da Portuguesa!
FD – é lá no campo, fala que enganou era pro campo não era ali.
Ch – entendi, entendi...tá bom! "
* FP – Faiad
** Ch – Francisco
Diante dos aspectos mais contundentes das interceptações, é insofismável que no município de Iepê o esquema fraudulento estava instalado nas construções das habitações populares e que o Alcaide além de ter total conhecimento dos fatos, participava ativamente das manobras ardilosas.
2. O depósito bancário.
Não menos importante para se demonstrar a incestuosa e nefasta relação que unem os réus Faiad e Francisco, é a prova acostada pelo documento nº05, onde confirma que a empresa "Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio ME", contratada para o fornecimento de materiais para a construção, por força da licitação de 2005, efetuou um depósito bancário no valor de R$5.400, 00 (cinco mil e quatrocentos reais) na conta de Mirian Rosa A. Zakir, filha do então Alcaide Municipal.
Segundo o ofício encaminhado pelo Delegado Regional Tributário, tal comprovante de depósito foi apreendido pelo fisco estadual no estabelecimento da empresa "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda", em madado judicial de busca e apreensão.
De acordo com o documento apresentado, foi realizada uma transferência interbancária de valores, no dia 22/09/2005, com origem do banco Nossa Caixa tendo como correntista a empresa Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio ME, e como destinatário a correntista Mirian Rosa Alcântara Zakir, do Banco do Brasil de Iepê no valor de R$5.400,00 (cinco mil e quatrocentos reais).
A empresa que efetuou o depósito pertence ao grupo de empresas geradas pela "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda".
Por essa transação, o réu Faiad com a anuência de sua filha também requerida, titular da conta corrente, recebe propinas sobre as fraudes no gerenciamento e construção da obra do CDHU.
3. Prova produzida no inquérito policial nº.37/06:
Com o desmantelamento da organização criminosa e suas artimanhas, as investigações policiais no inquérito policial referente a tais fatos, trouxe a baila os depoimentos de Maria Suzana Pinheiro e outra testemunha protegida por lei (documentos nº.06).
Tal como acima mencionado, Maria Suzana Pinheiro, é secretária da Empresa "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda", e informou que é encarregada do movimento do caixa do grupo.
Disse que a empresa é composta por várias empresas, das quais os envolvidos emprestam seus nomes para figurarem como representantes legais das empresas de "fachada", que na verdade é comandada pelo requerido Francisco.
A testemunha afirma com exatidão que diversos prefeitos freqüentavam o escritório da empresa conhecida como "FT", e que recebiam propinas para as construções do CDHU. Como não poderia deixar de ser, o Prefeito de Iepê visitava com freqüência a sede da empresa, e sempre ligava querendo falar com "Chico".
A outra pessoa ouvida, que esta sob o programa de proteção da testemunha, relatou com detalhes como o grupo realizava as fraudes e pagavam propinas aos Prefeitos Municipais da região.
Confirma os lançamentos da sigla "QLN" que significa "quanto levo nisso", e no que tange ao Município de Iepê, revela o pagamento nos anos de 2005, de dois depósitos cada um no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) na conta indicada pelo Prefeito Faiad.
Assim, o Prefeito Municipal FAIAD HABIB ZAKIR, na qualidade de agente público, deve responder pelos atos de improbidade por ele praticados, nos termos dos artigos primeiro, 10, inciso VIII e 11, "caput", da Lei 8429/92.
Os demais demandados também possuem responsabilidade no âmbito da presente ação. O réu Francisco Emílio de Oliveira é o mentor e o maior beneficiário de todo o esquema fraudulento, tendo praticado tal conduta em várias cidades da região e sido surpreendido na interceptação telefônica entabulando tratativas no mínimo "suspeitas" com Faiad. Os requeridos Edileni Luiz Ferreira, Rita de Cássia Virgili Monteiro, Luis Paulo Sampaio Kauffman, Lucília Fernades de Souza e Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio também devem ser responsabilizados, pois seus nomes constam no contrato social das empresas de "fachada" vencedoras da licitação como sendo os seus representantes legais. Eles, portanto, além de fazerem parte do esquema fraudulento, auferiram vantagens econômicas com tal prática. Da mesma forma verifica-se a participação de Mirian Rosa de Alcântara Zakir, por permitir o uso de sua conta particular para repasse de verbas irregulares.
Aos réus Francisco, Edileni, Rita, Luis Paulo, Lucília, Rosaly e Mirian, a responsabilidade advém do artigo terceiro da Lei n. 8429/92:
"As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta".
Desta forma, verifica-se que todos os demandados têm participação no pleito fraudulento e por isso devem ser responsabilizados e apenados.
DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Consoante se demonstrou, o requerido FAIAD HABIB ZAKIR, na qualidade de agente político, conluiado aos demais réus, deixou de cumprir seu relevante dever funcional e praticou ato de improbidade administrativa, pois violou os princípios fundamentais da Administração Pública, o que acarretará, nos termos da lei, a responsabilização civil de todos, com a imposição das sanções legalmente previstas na Lei 8.429/92.
A Constituição Federal elenca, em seu artigo 37, os princípios que devem reger a administração pública:
"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:" (destaque inexistente no original).
Dentre eles, cumpre destacar o da legalidade e o da moralidade administrativa.
O primeiro é nota característica do Estado de Direito e representa uma das mais importantes garantias ao pleno exercício dos direitos individuais.
De acordo com o citado princípio, a Administração Pública deve agir nos estritos limites da lei, ou seja, apenas poderá fazer o que a lei permite.
O princípio da moralidade administrativa, por sua vez, foi recentemente incluído dentre os demais, como um reflexo da preocupação com a ética na Administração Pública e com o combate à corrupção e a impunidade do setor público_.
Lastreado em tal princípio, exige-se que o agente público exerça suas funções com ética, dignidade e lealdade, pautado na plena realização do interesse público. Não deve, jamais, utilizar as facilidades que seu cargo lhe proporciona para obter benefícios em proveito próprio ou alheio.
Portanto, não basta que os agentes públicos e políticos desempenhem suas funções com observância da lei, devendo, também, reger sua conduta pela ética.
O primado da moralidade administrativa impõe, assim, que os agentes públicos tenham uma atuação honesta, lastreada na lealdade e boa-fé para com os administrados.
Cumpre ressaltar que tais valores devem ser aferidos de acordo com o senso comum do homem médio, ou seja, de acordo com o senso ético e moral aceitos pela sociedade.
A Constituição, ainda, estabeleceu em seu artigo 37, § 4º, que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A Lei 8.429/92 regulou diversas espécies de improbidade administrativa em seus artigos 9º, 10 e 11, diferenciando-as conforme importem em enriquecimento ilícito, causem prejuízo ao erário ou atentem contra os princípios da Administração Pública.
Essa última hipótese é a mais abrangente e atinge uma infinidade de atos ímprobos, pois a rigor qualquer violação dos princípios da legalidade, da razoabilidade, da moralidade, do interesse público, da eficiência, da motivação, da publicidade, da impessoalidade, e de qualquer outro imposto à Administração Pública pode constituir ato de improbidade administrativa_.
As condutas perpetradas pelos requeridos enquadram-se perfeitamente nas disposições do artigo 10, inciso VIII, e do artigo 11, "caput", da Lei 8429/92. Segundo estes dispositivos:
"Artigo 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo primeiro desta Lei, e notadamente:
VIII- frustrar a licitude processo licitatório...".
"Artigo 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições..."
O requerido Francisco, como chefe da organização criminosa e com o aval do Prefeito Municipal FAIAD HABIB ZAKIR, fez com que sua empresa "FT Construções e Comércio Tarabai Ltda", representada por sua esposa Edileni, ganhasse a licitação de gerenciamento de obra de construção de casas populares com verba da CDHU em Iepê, assim como vinha fazendo em outras cidades da região. Posteriormente, inseriu no edital de licitação de fornecimento de material de construção dados irreais que facilitaram a vitória de suas empresas de "fachada", representadas pelos requeridos Lucília, Luis Paulo, Rosaly e Rita. Em virtude de saberem que, posteriormente, a qualidade e a quantidade do material que iriam fornecer não seria aquela que constava no edital, estas empresas ofertaram valores mais baixos e, conseqüentemente, venceram os pregões.
Estas condutas, ademais, feriram os princípios administrativos da moralidade, legalidade, impessoalidade e eficiência, conforme atestado nos parágrafos acima.
DO DANO MORAL
Os fatos descritos nesta exordial não acarretaram somente danos de natureza patrimonial. Deles decorreu, também, um dano difuso, abstrato, correspondente à grave ofensa à moralidade da Administração Pública e à dignidade do povo iepense, agora ampliada em face da divulgação desses e de outros fatos similares, no contexto do que ficou regionalmente conhecido como o "a máfia das casinhas" (vide documento nº.09).
A plena reparabilidade do dano moral é tese que vem sendo construída ao longo dos anos, apontando irreversível tendência legislativa, doutrinária e jurisprudencial.
De fato, vários dispositivos do Código Civil enumeram, de maneira casuística, hipóteses em que o dano não patrimonial é reparável. É o caso do art. 1.543, que impõe pagamento do valor de afeição da coisa que não mais pode ser restituída a seu dono, e também do art. 1.547, parágrafo único, que manda indenizar o prejuízo imaterial de quem foi ofendido por injúria ou calúnia. Outros dispositivos dessa natureza, invocados pela doutrina, são os arts. 1.537, 1.538, 1.548, 1.549 e 1.550_
Leis extraordinárias também previram hipóteses de ressarcimento de danos morais_.
Os mais renomados civilistas brasileiros sempre aceitaram a tese_, que é tema, inclusive, de inúmeras monografias e estudos_. O insigne Magistrado e Professor BARBOSA MOREIRA¸ em voto lapidar, chega a qualificar de "profundamente reacionário" o entendimento contrário, bem demonstrando que a indenizabilidade do dano extrapatrimonial era - e ainda é - conclusão que decorre direta e necessariamente do próprio Código Civil, sem que fosse preciso apelar a artifícios ou subterfúgios de qualquer espécie, nem mesmo a regras de eqüidade_. O próprio CLÓVIS, partindo de posição mais tímida, acabou por convencer-se que a plena reparabilidade do dano moral era a regra geral de nosso direito_
A jurisprudência foi paulatinamente aceitando a tese, que veio a se tornar vencedora, inclusive nos Tribunais Superiores_.
Consagrada na atual Constituição da República (art. 5o., incisos V e X), a reparação dos danos morais é hoje aceita sem reservas_, sendo também isenta de dúvidas sua cumulatividade com a indenização por danos patrimoniais_.
O que importa deixar aqui assentado é que os prejuízos de natureza moral, decorrentes da improbidade administrativa, são experimentados pela própria Administração Pública e, de maneira difusa, por toda a coletividade.
Não se pode esquecer que o adjetivo moral, como indica sua própria etimologia_, também significa "relativo ao domínio espiritual, em oposição a físico ou material"_. Assim, a expressão dano moral aplica-se aos prejuízos causados a bens de natureza incorpórea, imaterial, não se restringindo, pois, à ofensa aos valores subjetivos individuais.
Não é sem razão, pois, que a moderna doutrina – nacional e estrangeira – vem utilizando, preferencialmente, expressões como "danos extrapatrimoniais", "danos não patrimoniais"_. Mesmo os que ainda preferem a nomenclatura tradicional deixam claro que o conceito de "dano moral" é abrangente, não se restringindo a aspectos puramente subjetivos, ligados ao sofrimento e à dor_.
Admite-se hoje, com sobras de razão, a possibilidade de agravo moral à pessoa jurídica_, uma vez que podem ser atingidos seus "atributos de reputação e conceito perante a sociedade"_ . Nesse sentido pronunciou-se, inclusive, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça_ .
O mesmo raciocínio é aplicável ao Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público_. De fato, como autêntica personificação dos valores éticos da polis, ele também tem uma imagem e uma reputação a zelar, que nada mais é do que a projeção da honorabilidade e dignidade cívica de todos os cidadãos, considerados em seu conjunto.
Note-se que não terá sido sem justo motivo, pois, que o constituinte estabeleceu a moralidade como um dos princípios regentes da atividade estatal (CF, art. 37).
Aliás, a idéia de que a Administração Pública pode ser vítima de danos imateriais nada tem de nova: já era prevista, com efeito, num dos mais antigos textos legislativos do mundo — o Código de Hammurabi — que veio à luz dezoito séculos antes da Era Cristã_.
Ocorre que a Administração Pública é um ente abstrato, que representa politicamente a sociedade, constituída por todos e cada um dos cidadãos, estes sim os verdadeiros titulares dos valores morais personificados naquela. Mais exato será falar, então, em dano difuso à coletividade, representada pelo Estado.
Vem sendo aceita pela mais moderna doutrina a reparação de danos morais difusos, causados a número indeterminado de pessoas. LIMONGI FRANÇA deixa clara essa possibilidade no próprio conceito de dano moral, ao defini-lo como "aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico de seus bens jurídicos"_.
SÉRGIO SEVERO, autor de excelente monografia sobre o tema, não hesita em considerar passíveis de dano moral os interesses coletivos e difusos_.
O mesmo entendimento foi acolhido por CARLOS ALBERTO BITTAR, ilustre Magistrado e nosso Professor, recentemente falecido: "Tem-se, portanto, que os danos morais podem ser suportados por todos os entes personalizados, ou mesmo não, diante da evolução ocorrida nesse campo, com o reconhecimento de direitos de categorias, ou de grupos sociais, ou mesmo de coletividades"_
Na doutrina estrangeira, o consagrado Professor GABRIEL STIGLITZ também se manifestou em favor da tese_.
A evolução operada no campo das idéias foi rapidamente assimilada pelo legislador brasileiro.
Em sua redação original, o art. 1o. da Lei n. 7.347/85 já previa a proteção de valores imateriais de interesse coletivo (meio-ambiente, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico).
Sob a regência da nova Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor foi o primeiro diploma a estabelecer, de maneira expressa, a ressarcibilidade de danos morais causados à coletividade_.
Aliás, como bem observa MARIA LUIZA DE SABÓIA CAMPOS, a proteção jurídica do consumidor, através de ações de natureza coletiva, não poderia mesmo prescindir da consideração dos danos morais provocados a número indeterminado de pessoas_.
Foi também o Código do Consumidor, em seu art. 110, que adaptou a Lei da Ação Pública ao novo texto constitucional, acrescentando-lhe um inciso IV ao art. 1o., ampliando sua tutela a qualquer interesse difuso ou coletivo.
Completando esse ciclo evolucional, o art. 88 da Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994 reformulou o texto do art. 1o., "caput" da Lei n. 7.347/85, deixando expresso que a ação civil pública também é apta para obter a responsabilização por danos morais_.
Fica assim demonstrado que nosso sistema de direito positivo contempla, sem nenhuma objeção possível, a reparação de danos morais impostos à coletividade.
Afirmamos que, no caso presente, toda a sociedade iepense foi ofendida, em sua dignidade e decoro cívicos, pelos agentes públicos e demais envolvidos ora demandados.
Como se não bastasse arcar com os efeitos de uma dos prejuízos de natureza estritamente patrimonial, decorrentes dos fatos narrados acima, os cidadãos de nossa Iepê tiveram o dissabor de constatar que os demandados, exercendo mal o poder que lhes foi conferido, desrespeitaram seguidamente a Constituição e desviaram recursos públicos de sua correta destinação. Ver seu mandatário rindo ao telefone foi no mínimo desconfortante e só deve ter majorado o natural sentimento de impunidade e impotência do cidadão que ganha seu dinheiro honestamente.
Atos de improbidade praticados pelos envolvidos, em manifesto e evidente desacordo com a Constituição e as leis, ferem profundamente o sentimento de cidadania, ao revelar completa desconsideração e descaso à vontade popular, fundamento básico do poder estatal (CF, art. 2o.).
Como bem salienta HELY LOPES MEIRELLES, "todo cidadão tem direito subjetivo ao governo honesto"_. Bem por isso, o mandato outorgado aos governantes pressupõe que estes se pautem por absoluta retidão de conduta, caracterizada por probidade, zelo e rigor no desempenho de seu munus público. A inobservância desses elementares deveres, por parte do mau administrador, deslustrando as altas responsabilidades que lhe foram confiadas, gera na coletividade sentimentos de abandono e insegurança, de descrédito nas autoridades, de desorganização social; em suma, de instabilidade de todas as instituições. A ninguém ocorreria negar, em casos tais, enorme e autêntico desapontamento da comunidade dos cidadãos, frustrados em suas justas expectativas por um governo pautado pelo estrito respeito à moralidade e à legalidade (CF, art. 37).
É precisamente esse desapontamento e essa frustração que caracterizam, de modo inequívoco, a ocorrência de dano moral, conceito amplo que abrange todo o tipo de ofensa "ao decoro, à paz interior (...) aos sentimentos afetivos de qualquer espécie"_. Afinal, segundo a lição de JHERING, citada por MELO DA SILVA_, "devemos e podemos esperar que se nos respeite não apenas aquilo que temos, mas, também, aquilo que somos".
A não punição de condutas ilícitas dos administradores públicos – fato que, infelizmente, não tem sido raro – somente agrava tal quadro, castigando os cidadãos com mais um entre tantos pesares: o sentimento de total impotência em face dos desmandos dos governantes.
A ofensa aos interesses sociais, praticada por agentes públicos ou não, implica um agravo à dignidade de todos os cidadãos e, conseqüentemente, da Administração Pública constituída por mandato daqueles. Isto porque, como bem observa PONTES DE MIRANDA, no caso de danos morais, "a esfera ética da pessoa é que é ofendida"_. Impossível negar, no caso em exame, que a conduta dos demandados, desobedecendo os princípios da legalidade e da moralidade, representou sério gravame a altos valores sociais e gerou prejuízo moral aos governados, atingindo-lhes a dignidade cívica, o sentimento ético, a confiança que depositaram nas autoridades políticas. Viu-se lesado o direito de todos a um "governo honesto"_ , probo e incondicionalmente submisso à Constituição.
É preciso fazer cessar esse autêntico círculo vicioso, em que a prática reiterada de atos de improbidade, sem adequada punição, gera um sentimento popular de desalento e descrédito nas instituições, o que leva a um afrouxamento dos meios de controle e fiscalização dos governantes, servindo de incentivo a novos atos de improbidade, com menor preocupação, a cada vez, quanto às possíveis conseqüências.
Nesse sentido, é o provecto RUI BARBOSA quem enfatiza, melhor do que ninguém, as perigosas conseqüências que podem advir da reiterada violação dos direitos da cidadania_.
Quanto a estimativa de tal dano moral, maiores problemas não se apresentam.
Como já vimos, provocada uma lesão - seja de que natureza for - surge o dever de indenizar (art. 159 do Código Civil). Embora os danos ora tratados sejam de natureza imaterial, sua reparação também haverá de ser feita em dinheiro, "porque este é o denominador comum dos valores, e é nesta espécie que se estima o desequilíbrio sofrido pelo lesado"_.
A tarefa de fixar o "quantum" necessário à indenização por prejuízos morais não é simples_. Mas tal dificuldade, além de não ser motivo para deixar irreparado o dano_, é perfeitamente vencível, lembrando-se que, nessa matéria, "a estimativa pecuniária não é fundamental"_. O mais importante, certamente, é que nenhuma violação de direito fique impune_ .
É certo que a indenização por dano moral não deve ser fonte de enriquecimento para a vítima, mas tampouco pode ser inexpressiva_.
Por outro lado, as "regras de experiência comum" e a "observação do que ordinariamente acontece" – critérios de análise admitidos pela lei_ – autorizam a afirmação de que os prejuízos éticos e morais, decorrentes de uma conduta ilícita, podem ser até mesmo maiores do que sua repercussão patrimonial. O grande número de pessoas ofendidas, no presente caso - correspondente a toda a coletividade venceslauense - é fator que exaspera a responsabilidade dos demandados, e haverá de ser considerado, na sentença, para a fixação do "pretium doloris".
A partir dessas considerações, com vistas ao cumprimento do art. 258 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo de futuro arbitramento pelo Juízo_, o Autor atribui, aos danos morais suportados pela coletividade, valor correspondente a vinte por cento daqueles de natureza estritamente patrimonial, ou seja, R$ 25.299,80 (vinte e cinco mil, duzentos e noventa e nove reais e oitenta centavos).
DAS LIMINARES:
A) AFASTAMENTO DO REQUERIDO FAIAD HABIB ZAKIR DO CARGO DE PREFEITO MUNICIPAL QUE OCUPA
O afastamento imediato do Prefeito de seu cargo é um imperativo. Com efeito, há prova contundente do esquema realizado. Interceptações telefônicas, depósitos em nome da filha do Prefeito, uma única empresa forjando diversas empresas, com fraude à licitação...
Tudo detalhadamente comprovado.
Os fatos praticados, per si, exigem o afastamento imediato do Prefeito.
De fato, não